As áreas de preservação permanente são institutos jurídicos essenciais para a proteção de locais de grande relevância ambiental e de importância à própria sobrevivência da vida humana.
Atualmente, essas áreas estão conceituadas pelo Código Florestal vigente – a Lei Federal nº 12.651, de 25 de março de 2012 – como “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.
Elas podem ser encontradas às margens dos cursos d`água, no entorno de lagos ou lagoas naturais, ou ainda dos reservatórios d`água artificiais e das nascentes, além das encostas com declividade superior a 45º, nas restingas, manguezais e outras formações naturais previstas pelo Código Florestal.
À vista da importância indiscutível dessas áreas especiais é que as legislações nacional, estadual e municipal preveem diversos regramentos e mecanismos de proteção, os quais devem ser fielmente observadas pelo Poder Público e por particulares.
Ocorre que no Estado de Santa Catarina as áreas de preservação permanentes vêm gerando inúmeras controvérsias judiciais que acarretam grande sentimento de insegurança jurídica em toda a população, inibindo até mesmo investimentos em construção civil e a instalação de indústrias e comércios que gerariam benefícios sociais a toda uma comunidade.
O grande imbróglio está nas interpretações legais em face das áreas de preservação permanente existentes nas faixas marginais dos cursos d´água (rios, ribeirões e córregos) em áreas urbanas consolidadas, já que nosso Estado apresenta uma hidrologia diferenciada dos demais, por ser cortado frequentemente por inúmeros cursos d`água dos mais diversos portes, além de ter um histórico de ocupação humana às margens desses corpos hídricos.
Por apresentar essa característica física e histórica peculiar, a aplicação de leis federais de proteção das áreas de preservação permanente, como aquela prevista pelo próprio Código Florestal, torna-se muitas vezes impraticável, já que há uma evidente antropização das margens dos cursos d´água nas nossas cidades, o que remonta à ocupação dos Municípios por seus fundadores e primeiros habitantes.
Como poderiam, assim, os Municípios de Ilhota, Gaspar e Blumenau – apenas a título de exemplo – observarem as áreas de preservação permanente de duzentos metros, contados das margens do Rio Itajaí-Açu, se essas cidades foram levantadas justamente à beira desse rio?
Deve-se ter em mente que o Direito e as suas normas têm origem nos acontecimentos da vida em sociedade e devem servir para regular as atividades humanas de acordo com o interesse predominante dessas.
Nesse sentido é que o Poder Público, incluindo aqui o Judiciário, precisa considerar as situações concretas para a aplicação das leis, pois do contrário se determinará por decisões insustentáveis, que geram forte sentimento de injustiça social.
O próprio legislador federal, compreendendo as peculiaridades de cada local, incluiu recentemente no Código Florestal a permissão dos Municípios definirem, por suas leis específicas, as suas próprias faixas marginais nas áreas de preservação permanente, quando localizadas em áreas urbanas consolidadas.
Nesse sentido também, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina vem admitindo, em alguns julgados, a manutenção de construções em áreas de preservação permanente quando essa não cumpre mais a sua função ambiental em decorrência da ampla urbanização e povoamento.
No âmbito da Justiça Federal, representado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, também encontramos acórdãos que afastam a ordem de demolição de edificações situadas em área de preservação permanente, em aplicação aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.
Infelizmente, os julgados acima descritos não seguem uma interpretação linear por parte dos próprios magistrados estaduais e federais, já que em causas muito semelhantes são proferidas decisões contrárias àquelas acima expostas, de ordem demolitória de construções erguidas em locais fortemente antropizados e sem função ambiental, mesmo quando as obras são detentoras das devidas licenças e alvarás!
A solução para esses conflitos deve ser a ponderação entre o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à propriedade e à moradia, com aplicação das leis locais que mais atendem aos interesses da comunidade, preservando o meio ambiente de fato, sem desconsiderar a história e a economia de cada Município.
Nicole Cascaes
Advogada inscrita na OAB/SC Nº 31.221
Sócia-fundadora do escritório Cascaes Advocacia Ambiental e Urbanística